Desafios contemporâneos

Segundo    Leonardo Nemer Caldeira Brant , a política externa de um país é elaborada a partir de três elementos fundamentais. Um estático, outro dinâmico e um terceiro subjetivo.

Num primeiro momento, observa-se que a formulação de uma determinada política externa responde à avaliação de elementos concretos, como a capacidade estrutural de um país, seu espaço físico, suas dimensões, seus vizinhos, fronteiras e sua estrutura política. Esses componentes estratégicos e geográficos são naturalmente conhecidos e, portanto, estáticos. Em segundo lugar, tem-se um indicativo temporal. A política externa responde aos desafios presentes. Evidentemente, ela é herdeira dos erros e acertos do passado e terá repercussões no futuro, mas ela é, necessariamente, dinâmica e deve adaptar-se à realidade vigente. O terceiro elemento é psicológico. Trata-se da interpretação subjetiva daquele a quem foi delegada a competência de formulá-la. No caso brasileiro, por exemplo, segundo o artigo 84 da Constituição Federal, tal competência cabe ao presidente da República. Este deve, portanto, avaliar uma situação internacional concreta e presente, tendo em mente os componentes estratégicos e geográficos nacionais para, em seguida, optar, segundo sua consciência, formulando assim os rumos da política externa.


Embora de aparência excessivamente acadêmica, esta classificação é esclarecedora ao lançar luz sobre os desafios da política externa do governo Dilma.

Inicialmente, o Brasil de 2011 não é o mesmo de oito anos atrás, quando as bases da política externa do governo Lula foram lançadas. O Brasil se beneficiou de suas realizações e é hoje um país com instituições democráticas muito mais consolidadas, fortes, reconhecidas e estáveis. Ele evoluiu em matéria de transparência das finanças públicas, bem como no combate à corrupção. Seu ambiente econômico é, a cada ano, mais diversificado e seguro para investimentos internacionais. De fato, houve um crescimento das exportações brasileiras, que somavam US$ 60 bilhões no ano de 2002 e passaram à marca de US$ 197 bilhões no ano de 2008 e US$ 200 bilhões em 2010. Tal realidade pode ser igualmente verificada no crescimento sustentável do PIB, que registrou uma variação de 7,5% em 2010, quando comparado ao do ano anterior. Tal crescimento fora apenas superado pelas variações do PIB chinês, que apresentou 10,3% de crescimento, e da Índia, com crescimento de 8,6%.
Estes, entre outros inúmeros dados positivos, significam que a capacidade de influência e de interação no cenário internacional é atualmente muito maior. O Brasil de 2011 já é um ator central da política internacional. Logo, o desafio não é mais o de inserção da posição brasileira ou da ocupação de um espaço no cenário internacional condizente com a nossa pretensão, como parecia ser o caso. No momento atual, a ênfase deve ser dada à condução de uma política externa responsável e pragmática no equilíbrio da defesa dos interesses do Brasil e dos valores elementares e morais da humanidade.

Em outras palavras, elevado à condição de potência regional e sétima economia global, com um PIB de R$ 2,08 trilhões, o Brasil não é mais um país emergente. Consequentemente, a política externa do governo Dilma não deve ter como tônica uma pretensa ousadia refletida na frenética reivindicação por espaço internacional e na retórica de oposição aos países de liderança global. O imperativo da não subserviência, por vezes antagônico e incompreensível, como no caso da malsucedida mediação brasileira originária da declaração de Teerã diante do impasse nuclear entre o Irã e a comunidade internacional, ou o fracasso relativo na condução da crise hondurenha, deve ser substituído por uma visão mais harmônica e responsável da atuação brasileira, de forma a influir positivamente na preservação de seus interesses estratégicos, sem necessariamente criar uma lógica de confronto.

O elemento dinâmico na construção da política externa impõe para 2011 uma nova agenda. No panorama internacional o governo Lula avançou em áreas importantes, como a integração sul-americana, a consolidação do Mercosul, o fortalecimento do G20 e do sistema de negociação na Organização Mundial do Comércio (OMC), a expansão da atuação brasileira em novos mercados e a presença em missões de paz, como no caso do Haiti. Contudo, esse período foi profundamente marcado pelas consequências do atentado de 11 de setembro de 2001, pela guerra ao terror e pela hegemonia e unilateralismo norte-americano.

No atual governo, todavia, o cenário internacional, ainda que imprevisível, é certamente distinto. De fato, não se pode determinar com clareza os desafios futuros, mas é perfeitamente plausível elencar quatro das principais questões que irão compor o cerne da política externa brasileira, a saber: a) o estabelecimento de novas bases para o relacionamento com os Estados Unidos; b) uma política comercial mais agressiva e coordenada; c) o aprimoramento da participação brasileira nas questões regionais; e, por fim, d) a inserção brasileira com maior ênfase nas temáticas globais, que deverão enfatizar o elemento humanitário.

Liderança regional A começar pelas novas diretrizes de relacionamento com os Estados Unidos, as condições da visita do presidente Barack Obama ao Brasil parecem dar um primeiro indicativo de que os Estados Unidos, embora ainda unipolar em termos militares, se reposicionam política e economicamente e, em realizando tais movimentos, redimensionam as bases da influência brasileira. Nesse sentido, observa-se que os desafios da política externa atual estão, por consequência, atrelados, num primeiro momento, à condução de um relacionamento com os Estados Unidos menos ideológico, de maior cooperação e que garanta um modus vivendi sustentável. Isso não significa nem oposição gratuita nem submissão necessária. Trata-se de uma harmonia conveniente que permitiria ao Brasil exercer realmente sua vocação estratégica, ou seja, a de consolidação de uma liderança regional sem provocar ressentimentos nos países vizinhos.

O processo de aproximação diplomática e econômica promovido pelo governo Lula junto aos países da América Latina representou importante passo, tanto na diversificação da balança comercial de exportações, abrindo novas perspectivas e protegendo os exportadores nacionais das vicissitudes dos mercados e da dependência norte-americana, quanto na reafirmação da posição brasileira enquanto potência regional. Contudo, a aproximação junto a países que assistiram nos últimos anos a insurgência de regimes controversos, como os atualmente regentes na Venezuela e Equador, demanda firmeza no posicionamento a fim de que o desenvolvimento de relações diplomáticas e comerciais não seja conquistado ao alto custo de tolerância a práticas rechaçadas no âmbito internacional. A política externa do governo Dilma deve ser, de fato, menos maniqueísta em um jogo de poderosos e emergentes. O Brasil é hoje, simultaneamente, um país com profundas fragilidades e com pretensões de liderança, dependendo da agenda e de com quem se relaciona. Saber se equilibrar neste trapézio, eis o principal desafio da política externa atual.

Por outro lado, o Brasil deve se confrontar, no futuro próximo, com uma nova realidade decorrente de uma reavaliação progressiva no tratamento das questões globais. A condução da crise líbia parece indicar uma nova tendência de retorno ao multilateralismo depois das consequências desastrosas da ocupação ilegal do Iraque. Tal perspectiva pode ser observada na autorização do uso da força, conforme disposto na Resolução 1973 do Conselho de Segurança, na participação da Liga Árabe como vizinho regional interessado, no argumento moral fundado no respeito aos direitos humanos e na exclusão da possibilidade de criação de uma força de ocupação internacional na Líbia.

De fato, o apego à legalidade como fundamento do uso da força e o recurso a um discurso moral sugerem que temas de interesse global, como meio ambiente, direitos humanos, desenvolvimento do direito penal internacional ou o uso de novas energias sustentáveis certamente deixarão de ser secundários e submetidos a uma agenda de segurança internacional.
Essa inversão moral do sistema internacional, somada à vocação brasileira de se tornar um protagonista no cenário internacional, exige um redirecionamento da nossa política externa. A ênfase não deve permanecer nas assimetrias do poder e no desejo incondicional de ser ouvido. Este é o resultado de uma realidade socioeconômica que o Brasil deve modificar com o desenvolvimento contínuo de sua infraestrutura, de sua segurança interna, educação, saúde etc. O que deve interessar ao governo brasileiro sob o comando de Dilma é a preservação dos interesses nacionais aliados à construção de uma sociedade internacional mais justa, moral e equilibrada. Não se deve submeter o segundo aos imperativos do primeiro. Quanto maior a liderança, maior a responsabilidade com o todo. Discursos minimizando a importância do respeito aos direitos humanos, ou apertos de mãos e afagos verbais dirigidos a figuras contestadas, como Muamar Kadafi ou Mahmoud Ahmadinejad, terão certamente outro significado no futuro próximo.

Elemento psicológico Chega-se, então, ao terceiro fundamento da formulação de uma determinada política externa: o elemento subjetivo e psicológico de seu autor. Este interpreta e avalia a realidade e as condições de executá-la de acordo com a sua própria vivência ideológica e vocação política. Nesse sentido, inexiste política externa neutra. Ela nunca é isenta de um posicionamento subjetivo. Ela é, na essência, o resultado de uma interpretação. O fato de o Brasil ser hoje detentor de 52% do PIB da América do Sul, a consolidação de sua posição como Estado receptor de investimentos, bem como a crescente vocação como exportador de capitais ou mesmo a descoberta das novas reservas petrolíferas brasileiras certamente concedem ao país maior representatividade e força de negociação.

Assim, a cuidadosa análise dos novos cenários internacionais, aliada ao parcimonioso manejo das vantagens conquistadas pelo país em seu processo de desenvolvimento, certamente apontam para um desafiador, porém igualmente promissor futuro brasileiro com reais possibilidades de projeção do país à tão pleiteada condição de potência. Ressalta-se apenas que tal conquista somente será adequada e legítima se pautada pelo profundo respeito e necessária ponderação aos valores humanos como aqueles primordiais na definição de políticas internas e externas.
Reunião do Conselho de Segurança da ONU, em Nova York: Brasil
                                              pleiteia lugar e poder de decisão no fórum

Leonardo Nemer Caldeira Brant é presidente do Centro de Direito Internacional (Cedin), professor de direito internacional da UFMG e PUC Minas e convidado do Institut des Hautes Études International da Universidade Paris II. É diretor da Faculdade de Direito do Centro Universitário UNA, editor do Anuário Brasileiro de Direito Internacional e ex-jurista da Corte Internacional de Justiça das Nações Unidas, Haia.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

As bolsas de mandinga

Alinhamento dos Chacras com o Pai Nosso

Fonseca - uma história de emoções